sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

A ETIQUETA E A CIDADE

Hoje, ao almoçar com uma linda senhora de 66 anos, pouco instruída, mas muito vivida, filha de paneleira de goiabeiras*, nascida do fortíssimo sangue italiano com a pureza de alma indígena, fiquei observando-a sentada no sofá com o prato na mão. De certo milhões de links impostos à minha memória me fizeram rever cenas do passado. Ela ergueu os olhos num ar de simplicidade e com uma fala impregnada de sabedoria disse "não entendo por que devemos comer frango com garfo e faca, mais da metade da carne fica nos ossos e esses vão para o lixo. Tem tantas pessoas passando necessidade! Por que jogar comida fora?". Etiqueta de brasileiro sempre foi a do não desperdício, a do sobreviver acima de tudo. Comida para nós sempre foi essência de vida. Nada de meditações, de fast-foods, de mac-troços felizes. De imediato, peguei uma coxa de frango com a mão e pus-me a expor o osso. Horas, coisas por fazer, jantar com amigos em restaurante japonês. Uma linda senhora de pouco mais de 50, doutora, amiga, nascida do fortíssimo sangue italiano com o apuradíssimo paladar português lutava com dois pauzinhos e uma fatia de peixe cru (que escorregava por dentre os mesmos). Observei sua desistência e a comida que seria levada de volta pelo garçom. Viajei nas distâncias culturais, etárias, educacionais, dentre outras, concentrei-me no discurso do almoço e decepcionei-me com o não-discurso do jantar. A etiqueta mata. Não a fome, mas a vontade de saciar-se. O peixe iria embora, ninguém comeria, conversaríamos sobre exposições e "vernissages", porém nos manteríamos limpos, corretos, educados... e com fome.


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